quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Tabus "femininos"

Imagem do evento de Governo de Alberta / Arte: Giovanna
Cartapatti
O navegador inglês James Cook escutou o termo Taboo, pela primeira vez, em uma viagem ao Reino de Tonga. Lá seus habitantes usavam a palavra para se referir ao que era proibido e sagrado ao mesmo tempo. A expressão logo foi incorporada ao vocabulário inglês.


Na última quinta a Frente discutiu alguns dos tabus femininos, a começar pelo palavrão.

O palavrão já é um tabu linguístico independente de quem o fale, porém esse tabu aumenta quanto se trata de mulheres falando.

Durante a reunião foi apontado que há um pensamento machista que considera feio quando uma mulher fala palavrão, salvo se for na cama. Uma integrante da Frente também contou que quando ela estava na escola, uma menina falou “buceta” a tal integrante achou um absurdo isso, mesmo ela falando “caralho” e “porra” com os amigos dela naquela época.

Ainda falamos sobre o fato de sempre se usar palavrões masculinos em frases como “doeu pra caralho” ou “cacete, isso arde”, mas nunca se algo como “mas que buceta isso”. Xingar alguém também envolve uma série de preconceitos, ou o homem é gay ou a mulher é puta. “Puta que pariu”, “vai tomar no cu”, “filho da puta” e “vai se fuder” são exemplos disso.

Foi citado o caso da Leila Diniz que em 1969 falou 70 palavrões em uma entrevista para o Pasquim. Em decorrência disso, ela foi censurada, perseguida e teve que se esconder na casa do amigo Flávio Cavalcanti. Na entrevista, ela conta que passou a falar mais palavrões quando começou a ser “mais desinibida e segura”. Levantou-se a questão de falar palavrão ser inversamente proporcional à timidez da pessoa, isso logo foi descartado com exemplos de pessoas que falam palavrão e são introvertidas.

Infelizmente essa discussão durou pouco, porque havia outros três tabus a serem discutidos.

A menstruação foi o seguinte tema. Começamos falando que em geral a sociedade considera isso como um assunto que não pode ser dito na frente de homens, como as mulheres passam secretamente absorvente umas para as outras e têm medo de aparecer mancha de sangue em suas calças.

Discutimos sobre a possibilidade de mulheres viverem com a ajuda de remédios para não menstruarem e sobre o coletor menstrual, um novo absorvente de silicone que é sustentável.

Para terminar com essa questão, iniciamos uma longa conversa sobre TPM. A tensão pré-menstrual acontece com maior intensidade em mulheres com mais de trinta anos e com grandes períodos de fluxo menstrual não interrompido (gravidez). A TPM pode acontecer de 2 a 10 dias antes da menstruação, e além dos efeitos negativos (irritabilidade, crise de choro, acne, seios doloridos, etc.) há os positivos (aumento do desejo sexual, explosão de energia, bem estar, sentimento de seios mais bonitos, entre outros). Estima-se que 2/3 das mulheres tenham ao menos um efeito positivo da TPM.

O foco desta discussão foi até que ponto a TPM é biológica e até que ponto ela é cultural. Há poucos estudos sobre o assunto e os especialistas não chegam a um consenso. Debatemos as frases “ela está de TPM o mês inteiro” e “eu não faria isso se não estivesse de TPM” e como elas têm um eco social. O quanto as mulheres se utilizam da TPM para fazer coisas que normalmente não fariam e como esse período pode ser bom para se conhecer. Além da preocupação em reforçar um pensamento de que a mulher perde a racionalidade nesses períodos, o que sustenta discursos machistas de que mulheres não podem ocupar certos cargos profissionais, por não terem controle emocional sobre elas mesmas. 

O terceiro e o quarto tema – masturbação e pornografia – foram associados pela proximidade do assunto. Começamos com o tema de masturbação, citando o texto da psiquiatra Érika Pellegrino, que trata a questão do prazer das mulheres cissexuais desde o conhecimento do próprio corpo até a vergonha culturalmente agregada e a “castração” pela qual cada qual passa.

A autora começa mostrando, através da biologia, que o pênis e a vagina são órgãos correspondentes e formados por um tecido análogo que se arranjou de maneira diferente no período embrionário. O tecido que forma a glande do pênis, é o mesmo que forma o clitóris da mulher, sendo ambos os pontos do prazer sexual, inclusive com terminações nervosas duas vezes maiores no clitóris. O que torna irônico o fato das mulheres terem maior dificuldade em sentir prazer do que os homens.

Durante a conversa, concluímos o mesmo que a psiquiatra: o pouco conhecimento do próprio corpo – que impede que a mulher tenha prazer sozinha e torna o homem como um “detentor do prazer sexual da mulher” – também  embasa discursos machistas de que a mulher é mais sensitiva e menos visual, além da falácia de que ela não consegue sentir tesão tão facilmente quanto o homem. Esse ponto nos levou ao tema da pornografia, que pelo falta da presença de mulheres na produção pornográfica, tem os filmes voltados inteiramente para o prazer masculino. Esse fato coloca a mulher como um mero objeto de satisfação do homem, inclusive fomentando a cultura do estupro.  Chega ao cúmulo de que mesmo quando um filme é lésbico, com duas mulheres, ainda é algo geralmente voltado para dar prazer ao homem.

Refletimos também como essa redução da mulher como objeto se relaciona com o modo como os homens “aprendem a tratar” as mulheres, desde pequenos assistindo reiteradamente esses filmes.

A roteirista Danielle Cony - que escreveu o texto base para a nossa discussão sobre pornografia - indica filmes de produção independente de uma diretora e produtora sueca chamada Erika Lust, onde mostram a perspectiva feminina pornográfica sobre sexualidade, e quebram essa ideia culturalmente arraigada de que mulheres não gostam de pornô, mostrando que podemos sentir prazer visualmente, sim, quando ele não é mostrado de maneira machista.

A conversa sobre masturbação foi bastante proveitosa, muitas meninas se sentiram à vontade para compartilhar histórias de quando eram crianças e foram pegas, por seus pais, se masturbando – algumas foram reprimidas como se fizessem algo errado e consideram que isso as deixaram “travadas” sexualmente. Outras foram orientadas apenas para que não fizessem isso em público. Discutimos como o assunto poderia ser tratado com os filhos da maneira mais aberta e tranquila possível, partindo do conhecimento e liberdade com o próprio corpo.

Fomos percebendo que o prazer sexual da mulher é tão natural e latente quanto o do homem, mas que a castração histórico-social faz com que as mulheres não se sintam à vontade para ter sua libertação sexual e não se conheçam. Infelizmente, as que a tem essa libertação muitas vezes são vistas como “vadias” ou “com muito fogo no rabo”. O conservadorismo ainda se mostra latente em sociedade e têm muito do patriarcado como sua base.

Por fim, deixamos o link do documentário chamado “Clitóris: um prazer proibido” que a psiquiatra Érika Pellegrino indica em seu texto, e fazemos o mesmo apelo que ela: Assistam! Realmente pode mudar sua vida.



Imagem: Marina Braga

Ainda é importante lembrar que nesta quinta a reunião bateu o recorde de presença. Sinal de que estamos trilhando o caminho certo. A presença de todxs é sempre muito importante!

Vídeo com um trecho da reunião, postado no instagram da Lisandra:

Nenhum comentário:

Postar um comentário