quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Filosofias feministas


Imagem: Marina Braga
Na última reunião da Frente Feminista Casperiana Lisandra tivemos um debate que foi gradualmente esquentando e se prolongou por 40 minutos além do tempo comum, pegando fogo.

As mediadoras da vez foram Giovanna Cartapatti e Marina Braga, que decidiram começar com o texto retirado do blog “Escreva, Lola, escreva”, de Lola Aronovich, cujo conteúdo relata a história de uma moça que foi estuprada pelo pai, porém decide perdoá-lo. Ainda nesse texto, Lola Aronovich dá sua opinião sobre o feminismo que  deve acolher vários tipos de ideias, isso é, dentro do mesmo feminismo deve haver espaço para outras filosofias e que, ainda, a exclusão por parte de quem não concorda com o acolhimento e o perdão (como é o caso citado no texto) não é uma regra do feminismo, por mais que seja praticado.

Seguindo essa linha de raciocínio, as mediadoras lançaram a questão do “feminismo que exclui”. A ideia, segundo Giovanna e Marina, surgiu do projeto/coletivo Passa Palavra, que explicita essa tendência político-ideológica, cujo o enfrentamento do machismo é feito por coletivos e grupos exclusivamente compostos por mulheres sob o pretexto de que em coletivos mistos as mulheres não encontrariam solidariedade dos companheiros para o enfrentamento das questões, por exemplo. A auto-formação seria necessária, portanto, para que a exclusividade da mulher no espaço criado, servir de conforto para ela construir uma cultura do direito à autodefesa física e psicológica.

Mas, então, um movimento de minorias deve acatar x opressxr ou, justamente, por se tratar da parte oprimida da sociedade, um coletivo deve se isolar dx opressxr, afim de esperar o mínimo de empatia entendendo que, apoiar espaços exclusivos, é apoiar o fortalecimento político dx oprimidx!?

Esse foi o ponto mais polêmico do debate, que rendeu muitas falas e deixou as mediadoras quase sem voz. Muitos exemplos surgiram como a questão do feminismo exclusivamente negro, que rebate a falta de consideração para com a mulher negra (e pobre), que ainda permanece nos velhos lugares marcados de um passado escravocrata: o do trabalho doméstico e o da objetificação sexual.

Passando para um outro ponto da discussão, mas que pode tanger a ideologia do feminismo exclusivo para mulheres, as mediadoras jogaram na roda o conceito de misandria.

A misandra diz respeito ao ódio, ao desprezo ao sexo masculino, uma ideia que vai além da inversão do que a mulher vive na sociedade machista. Há muitxs, que não consideram uma pessoa misândrica como feminista. Já que o feminismo parte do princípio de igualdade de gênero, esteriotipar o homem como sendo inútil, incapaz ou como alguém que merece ser castrado, de fato, não deve ser considerada uma atitude feminista.

As mediadoras da reunião: Giovanna Cartapatti e Marina Braga
(Imagem: Tatiana Luz)
O exemplo resgatado por Giovanna e Marina foi o de Valerie Solanas, que, em 1968, atirou contra o famoso artista Andy Warhol (que felizmente sobreviveu ao ataque).  Ela escreveu um manifesto chamado SCUM (referência à expressão em inglês, que significa “escória”), cujas iniciais talvez (isso não está em nenhum lugar do livro) signifiquem Society For Cutting Up Men (Sociedade para Mutilar os Homens).  Ou seja, um apelo ao generocídio, à eliminação de metade da humanidade.

Um outro tópico abordado na reunião diz respeito ao Femen e sua falta de profundidade. Partindo do texto das Blogueiras Feministas, “Carta ao Femen BR”, as meninas questionaram a o processo de seleção que existe para alguém que queira fazer parte do coletivo.  Reunindo moças brancas, loiras e magras, o Femen consegue saciar a sede da mídia utilizando como atíficio a nudez dessas meninas que se encaixam no padrão de beleza imposto pela sociedade. Contudo, qual é a imagem que esse grupo deixa para os “leigos do feminismo”? Soma-se ao fato de que a imprensa, de modo geral, não trata do tema com devido cuidado (na grande maioria das vezes, sob a ótica de “manifesto que atrapalhou o trânsito”), então temos um resultado dramático: um movimento que não mostra suas verdadeiras facetas, mas que ganha visibilidade e ainda é exposto de maneira apática.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Fala, Lisandra: Como o machismo afeta os homens

Arte: Letícia Dias
Como habitualmente, a Camila Araújo e a Tatiana Luz conversaram com Leonardo Levatti sobre o tema da última reunião presencial da frente: Como o machismo afeta os homens. No entanto, hoje contamos com um convidado especial, o professor da Faculdade Cásper Líbero, Welington Andrade.

Falando sobre a casa-dos-homens – conceito de Daniel Wezer-Lang já explicado aqui -, violência praticada pelo homem contra si e contra o outro, homofobia, cavalheirismo X gentileza e intermeando o debate de opiniões com explicações teóricas e histórias pessoais, se fez o Fala, Lisandra dessa segunda-feira. 

domingo, 27 de outubro de 2013

Como o machismo afeta os homens

         Imagem: evento ThinkStock/Arte: Giovanna Cartapatti
O debate da última quinta-feira foi feito fora da sala do Centro Acadêmico devido ao grande número de pessoas presentes. Embora tenha contado com alguns momentos de discussão, foi em grande parte teórico. Estamos acostumadxs a falar sobre o homem na posição de opressor, quando ele é colocado em debate como vítima há um choque e uma quebra de paradigmas. Todxs escutaram com atenção àquilo que fugiu do assunto comum, tentando compreender e levantando questões.


Xs mediadorxs: Dante Felgueiras e Tatiana Luz.
(Imagem: Marina Braga)
O texto trazido pelxs mediadorxs Dante Felgueiras e Tatiana Luz foi “A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia" do sociólogo francês Daniel Welzer-Lang. A partir dele surgiram dúvidas, reforçaram-se conceitos e apareceram histórias pessoais para endossar o debate.


Daniel Welzer-Lang coloca que as relações homens/mulheres e homens/homens, relações sociais de sexo, são produto de um duplo paradigma naturalista:

- A pseudo natureza superior dos homens, que remete à dominação masculina, ao sexismo e às fronteiras rígidas e intransponíveis entre os gêneros masculino e feminino;

- A visão heterossexuada do mundo na qual a sexualidade considerada como "normal" e "natural" está limitada às relações sexuais entre homens e mulheres. As outras sexualidades, homossexualidades, bissexualidades, sexualidades transexuais...São, no máximo, definidas, ou melhor, admitidas, como "diferentes".

A partir disso, xs mediadorxs iniciaram a conversa com o grupo, colocando em pauta que todo o preconceito do homem com os ‘não heteros’ nasce da crença de que a mulher é um ser inferior, assim, toda e qualquer atitude de um homem que o assemelhe a uma mulher o rebaixa ao patamar de submisso, repudiável. Welzer-Lang propõe que se defina homofobia como a discriminação contra as pessoas que mostram, ou a quem se atribui, algumas qualidades (ou defeitos) atribuídos ao outro gênero. A homofobia engessa as fronteiras do gênero.

Um conceito criado por Daniel e trazido para a reunião foi o de casa-dos-homens. “É a entrada na chamada casa-dos-homens, que compreende o conjunto das instituições que formam o masculino.” Ao deixar o mundo das mulheres (ir ao banheiro feminino com a mãe, por exemplo), o menino passa a se reagrupar com outros da mesma idade, passando por uma fase de homossociabilidade. A partir daí, ele começa a ingressar nos ambientes onde nada remete ao universo feminino, uma espécie de “clube do bolinha”, para ficar mais claro. Estádios de futebol, pátio do colégio, bares, prisões, entre muitos outros ambientes. Nesses locais, o garoto aprende os saberes do sexo (competições de pênis, masturbação em grupo, pornografia assistida em grupo...), e a se comportar como homem. O universo simbólico da construção do gênero masculino se dá por meio de mimetismo: “Ele deve aceitar a lei dos maiores, dos antigos: daqueles que lhe ensinam as regras e o savoir-faire, o saber ser homem”. Assim, o menino passa por uma série de ritos de passagem na casa-dos-homens, para ingressar nesse universo marcadamente não feminino. Um exemplo é o aprendizado do sofrimento calado. A criança deve ser viril, não chorar, apertar forte a mão de outro homem ao cumprimentar, não dar beijo no rosto de pessoas do mesmo sexo, aguentar qualquer tipo de dor. Ele mimetiza a violência para com o outro e contra si mesmo, pois deve engolir qualquer tipo de “expressão feminina da dor”.

Imagem: Marina Braga
Foram debatidas questões como: até que ponto o treinador de um time masculino pode usar de poder com os atletas, gritando e até ridicularizando. Qual a ligação desse fato com a opressão de homem mais velho e iniciante na casa-dos-homens. Há ligação? O grupo dividiu as opiniões. Falamos sobre esportes de meninos e de meninas: a competitividade é a mesma? E a agressividade? Por que as questões entre homens são resolvidas prontamente, na maioria dos casos, e as mulheres levam desavenças para casa?

Entre teorias e anedotas se fez a reunião sobre como o machismo afeta os homens. Saímos com mais dúvidas do que entramos, missão cumprida.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Fala, Lisandra: tabus femininos

Arte: Letícia Dias
Nesta segunda Camila Araújo e Tatiana Luz iniciaram o ciclo de conversas sobre o feminismo com o Leonardo Levatti, âncora do programa. O tema foi aquele discutido na última reunião da FFCL: Tabus relacionados à mulher. No entanto, elxs acharam melhor não falar sobre masturbação e pornografia num segundo programa, pois poderia assustar o ouvinte que ainda não é cativo do quadro. Então, foram abordados dois temas: depilação e menstruação. De maneira simples e didática os três conversaram sobre a vergonha que as mulheres têm andar com as pernas não depiladas à mostra, vergonha de mostrar o absorvente em público, dificuldade do tema ‘menstruação’ ser pauta nas conversas familiares... Como numa conversa entre amigos foram surgindo questões por parte do Leonardo que confessou estar aprendendo coisas sobre o universo feminino com as meninas, como por exemplo: o que é a cólica menstrual e quais as funções do anticoncepcional. O sonoplasta conhecido como Popó demonstrava interesse pelos assuntos e adicionava efeitos sonoros de aplausos quando gostava do que foi dito. Tentamxs levar 3 depoimentos em áudio para serem discutidos no ar, mas por problemas técnicos apenas um entrou.

Foi uma conversa extremamente agradável e, por sorte, elogiada por colegas. Esperamxs receber críticas construtivas para melhorarmos o programa para o ouvinte. Semana que vem discutiremos como o machismo afeta os homens – tema da próxima reunião de quinta, também. 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Tabus "femininos"

Imagem do evento de Governo de Alberta / Arte: Giovanna
Cartapatti
O navegador inglês James Cook escutou o termo Taboo, pela primeira vez, em uma viagem ao Reino de Tonga. Lá seus habitantes usavam a palavra para se referir ao que era proibido e sagrado ao mesmo tempo. A expressão logo foi incorporada ao vocabulário inglês.


Na última quinta a Frente discutiu alguns dos tabus femininos, a começar pelo palavrão.

O palavrão já é um tabu linguístico independente de quem o fale, porém esse tabu aumenta quanto se trata de mulheres falando.

Durante a reunião foi apontado que há um pensamento machista que considera feio quando uma mulher fala palavrão, salvo se for na cama. Uma integrante da Frente também contou que quando ela estava na escola, uma menina falou “buceta” a tal integrante achou um absurdo isso, mesmo ela falando “caralho” e “porra” com os amigos dela naquela época.

Ainda falamos sobre o fato de sempre se usar palavrões masculinos em frases como “doeu pra caralho” ou “cacete, isso arde”, mas nunca se algo como “mas que buceta isso”. Xingar alguém também envolve uma série de preconceitos, ou o homem é gay ou a mulher é puta. “Puta que pariu”, “vai tomar no cu”, “filho da puta” e “vai se fuder” são exemplos disso.

Foi citado o caso da Leila Diniz que em 1969 falou 70 palavrões em uma entrevista para o Pasquim. Em decorrência disso, ela foi censurada, perseguida e teve que se esconder na casa do amigo Flávio Cavalcanti. Na entrevista, ela conta que passou a falar mais palavrões quando começou a ser “mais desinibida e segura”. Levantou-se a questão de falar palavrão ser inversamente proporcional à timidez da pessoa, isso logo foi descartado com exemplos de pessoas que falam palavrão e são introvertidas.

Infelizmente essa discussão durou pouco, porque havia outros três tabus a serem discutidos.

A menstruação foi o seguinte tema. Começamos falando que em geral a sociedade considera isso como um assunto que não pode ser dito na frente de homens, como as mulheres passam secretamente absorvente umas para as outras e têm medo de aparecer mancha de sangue em suas calças.

Discutimos sobre a possibilidade de mulheres viverem com a ajuda de remédios para não menstruarem e sobre o coletor menstrual, um novo absorvente de silicone que é sustentável.

Para terminar com essa questão, iniciamos uma longa conversa sobre TPM. A tensão pré-menstrual acontece com maior intensidade em mulheres com mais de trinta anos e com grandes períodos de fluxo menstrual não interrompido (gravidez). A TPM pode acontecer de 2 a 10 dias antes da menstruação, e além dos efeitos negativos (irritabilidade, crise de choro, acne, seios doloridos, etc.) há os positivos (aumento do desejo sexual, explosão de energia, bem estar, sentimento de seios mais bonitos, entre outros). Estima-se que 2/3 das mulheres tenham ao menos um efeito positivo da TPM.

O foco desta discussão foi até que ponto a TPM é biológica e até que ponto ela é cultural. Há poucos estudos sobre o assunto e os especialistas não chegam a um consenso. Debatemos as frases “ela está de TPM o mês inteiro” e “eu não faria isso se não estivesse de TPM” e como elas têm um eco social. O quanto as mulheres se utilizam da TPM para fazer coisas que normalmente não fariam e como esse período pode ser bom para se conhecer. Além da preocupação em reforçar um pensamento de que a mulher perde a racionalidade nesses períodos, o que sustenta discursos machistas de que mulheres não podem ocupar certos cargos profissionais, por não terem controle emocional sobre elas mesmas. 

O terceiro e o quarto tema – masturbação e pornografia – foram associados pela proximidade do assunto. Começamos com o tema de masturbação, citando o texto da psiquiatra Érika Pellegrino, que trata a questão do prazer das mulheres cissexuais desde o conhecimento do próprio corpo até a vergonha culturalmente agregada e a “castração” pela qual cada qual passa.

A autora começa mostrando, através da biologia, que o pênis e a vagina são órgãos correspondentes e formados por um tecido análogo que se arranjou de maneira diferente no período embrionário. O tecido que forma a glande do pênis, é o mesmo que forma o clitóris da mulher, sendo ambos os pontos do prazer sexual, inclusive com terminações nervosas duas vezes maiores no clitóris. O que torna irônico o fato das mulheres terem maior dificuldade em sentir prazer do que os homens.

Durante a conversa, concluímos o mesmo que a psiquiatra: o pouco conhecimento do próprio corpo – que impede que a mulher tenha prazer sozinha e torna o homem como um “detentor do prazer sexual da mulher” – também  embasa discursos machistas de que a mulher é mais sensitiva e menos visual, além da falácia de que ela não consegue sentir tesão tão facilmente quanto o homem. Esse ponto nos levou ao tema da pornografia, que pelo falta da presença de mulheres na produção pornográfica, tem os filmes voltados inteiramente para o prazer masculino. Esse fato coloca a mulher como um mero objeto de satisfação do homem, inclusive fomentando a cultura do estupro.  Chega ao cúmulo de que mesmo quando um filme é lésbico, com duas mulheres, ainda é algo geralmente voltado para dar prazer ao homem.

Refletimos também como essa redução da mulher como objeto se relaciona com o modo como os homens “aprendem a tratar” as mulheres, desde pequenos assistindo reiteradamente esses filmes.

A roteirista Danielle Cony - que escreveu o texto base para a nossa discussão sobre pornografia - indica filmes de produção independente de uma diretora e produtora sueca chamada Erika Lust, onde mostram a perspectiva feminina pornográfica sobre sexualidade, e quebram essa ideia culturalmente arraigada de que mulheres não gostam de pornô, mostrando que podemos sentir prazer visualmente, sim, quando ele não é mostrado de maneira machista.

A conversa sobre masturbação foi bastante proveitosa, muitas meninas se sentiram à vontade para compartilhar histórias de quando eram crianças e foram pegas, por seus pais, se masturbando – algumas foram reprimidas como se fizessem algo errado e consideram que isso as deixaram “travadas” sexualmente. Outras foram orientadas apenas para que não fizessem isso em público. Discutimos como o assunto poderia ser tratado com os filhos da maneira mais aberta e tranquila possível, partindo do conhecimento e liberdade com o próprio corpo.

Fomos percebendo que o prazer sexual da mulher é tão natural e latente quanto o do homem, mas que a castração histórico-social faz com que as mulheres não se sintam à vontade para ter sua libertação sexual e não se conheçam. Infelizmente, as que a tem essa libertação muitas vezes são vistas como “vadias” ou “com muito fogo no rabo”. O conservadorismo ainda se mostra latente em sociedade e têm muito do patriarcado como sua base.

Por fim, deixamos o link do documentário chamado “Clitóris: um prazer proibido” que a psiquiatra Érika Pellegrino indica em seu texto, e fazemos o mesmo apelo que ela: Assistam! Realmente pode mudar sua vida.



Imagem: Marina Braga

Ainda é importante lembrar que nesta quinta a reunião bateu o recorde de presença. Sinal de que estamos trilhando o caminho certo. A presença de todxs é sempre muito importante!

Vídeo com um trecho da reunião, postado no instagram da Lisandra:

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

FFCL no quadro Sem Preconceito

A Frente Feminista Casperiana Lisandra foi convidada para mais uma participação especial na Rádio Gazeta. A convite da Beatriz Malheiros, participamos do quadro Sem Preconceito, que trata sobre problema enfrentados por determinados grupos. O último assunto foi a “mulher” e estivemos lá para falar dos preconceitos enfrentados pela FFCL. Desta vez, a entrevistada foi Giulia Araújo, aluna do primeiro ano de jornalismo, que pôde discorre sobre a importância de um coletivo feminista e como o machismo a afeta.

O programa pode ser ouvido na íntegra – FFCL no Sem Preconceito


Agradecemos o espaço e estamos sempre abertxs à convites que possibilitam a discussão sobre a emancipação humana.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Fala, Lisandra: quem somos?

Arte: Letícia Dias


Fomos convidadxs pelo Leonardo Levatti a participar do Tarde Gazeta, programa da Gazeta AM (890Hz). Aceitamos de prontidão e agora estamos embarcando numa aventura de toda semana apresentar para o público ‘não casperiano’ as discussões da Frente Feminista. A proposta é levar o essencial da discussão da quinta-feira anterior de maneira didática e leve para o ouvinte. Nesse primeiro encontro a Camila Araújo, a Letícia Dias e Tatiana Luz apresentaram, juntamente com o âncora Leonardo, a Frente Feminista Casperiana Lisandra. Explicando o surgimento, o funcionamento das reuniões, o que é o feminismo, o que significa Lisandra, entre outros tópicos. Foi satisfatório! Um ótimo ponta pé inicial numa grande oportunidade.

Foi deliberado pelxs membrxs do Grupo de Ação que a Camila Araújo e a Tatiana Luz serão, a princípio, as locutoras e responsáveis pelo conteúdo do Fala Lisandra, a Letícia Dias é a produtora técnica e a Marina Cipolla aquela responsável por angariar convidadxs que tenham propriedade nos temas discutidos, para acrescentar às conversas.

Os quadros são ao vivo toda segunda-feira, das 15h30 às 16h.

Programa da FFCL na rádio

Fala, Lisandra!

Arte: Letícia Dias

Ficamos muito felizes em poder informar que, partir de hoje, dia 14/10, toda segunda-feira a FFCL vai estar no programa Tarde Gazeta da Gazeta AM das 15h30 as 16h! Conquistamos esse espaço devido ao sucesso das mesas organizadas por nós na Semana de Jornalismo e vamos aproveitá-lo ao máximo! Estaremos lá a convite do Leonardo Levatti, do 2º ano de jornalismo. 

Como vai funcionar: durante 30 minutos, pelo menos umx representante da FFCL, o Leonardo e convidadxs vão discutir o tema em pauta na reunião da quinta-feira anterior, e no final anunciar o próximo tema. Assim como nas reuniões mensais, queremos expandir e enriquecer cada vez mais nossas discussões.

Hoje, extraordinariamente, o tema será a FFCL em si, uma apresentação sobre esse novo quadro.

Quer saber como participar? É simples.

1. Antes de mais nada, para ser elegível para representar a Frente, x alunx precisa ter estado presente em pelo menos uma reunião da FFLC nesse semestre, seja ela semanal (as quintas) ou mensal (no final de semana). As mesas da Semana de Jornalismo não contam. A nosso ver, só é possível representar algo que se conhece - logo, uma pessoa que nunca participou de uma discussão nossa não poderia fazê-lo.

2. Mandar a ficha de inscrição abaixo preenchida para o e-mail ffcasperiana@gmail.com, com 'Quero participar do Fala Lisandra' na linha de assunto.

Nome:
Ano/curso/turma:
Indique duas pessoas que você gostaria de convidar ao programa e por que (indicações possíveis, por favor!):
Indique um tema que você gostaria de discutir nesse espaço (por favor, cheque nosso cronograma, disponível aqui [http://goo.gl/cSCkB5] para saber os temas passados ou já agendados):
E finalmente: por que você quer participar do programa?

Para concluir, desde o início nós procuramos nos organizar com a maior transparência possível, por isso queremos deixar claro que, a princípio, xs membrxs do Grupo de Ação da Frente terão prioridade na participação do programa. Tomamos essa decisão, pois se tratam de pessoas que, além de estarem presentes constantemente nas reuniões, vem dedicando tempo e muito trabalho pra fazer a Lisandra crescer tanto em menos de um ano de existência. Isso não significa, é claro, que o espaço da rádio será monopolizado - apenas achamos melhor consolidar algo organizado antes de abrirmos para contribuições. Veja as regras de adesão ao Grupo de Ação, votadas em reunião presencial antes da criação do mesmo, aqui: http://goo.gl/QfnonV

Esperamos que todxs vocês fiquem tão animadxs quanto nós!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Feminismo e o recorte de classes

As nossas e as suas vozes
Imagem: Eliza Capai / Arte: Giovanna Cartapatti
O debate desta quinta foi tenso. Não por divergência de opiniões, mas porque falar do programa “Bolsa Família” é falar de miséria e, felizmente, nenhum dos presentes passou por situações sequer parecidas. Os relatos dos beneficiados pelo programa, expostos pela mediadora Marina Cipolla, chocaram e provocaram a reflexão sobre o tipo de economia em que vivemos.
O texto discutido foi uma matéria do jornal da Unicamp sobre o livro “Vozes do Bolsa Família”, pesquisa desenvolvida pela socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, professora titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e pelo filósofo italiano Alessandro Pinzani, professor adjunto de Ética e Filosofia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O livro foi criado com a finalidade de averiguar em que medida o programa mudou a vida das famílias e, em particular, das mulheres que receberam a bolsa. Em todo o Brasil, o Bolsa Família atende a 13,7 milhões de famílias – sendo que 93,2% dos cartões estão em nome de mulheres. São elas que recebem e distribuem a renda familiar.
Xs pesquisadores analisam: “A libertação da ‘ditadura da miséria’ e do controle masculino familiar amplo sobre seus destinos permite às mulheres um mínimo de programação da própria vida e, nesta medida, possibilita-lhes o começo da autonomização de sua vida moral. O último elemento é fundante da cidadania”.
“Nunca é demais lembrar que nossa pobreza não é um fato contingente, mas deita raízes profundas na nossa história e na forma de conduzir politicamente as decisões estatais”, avalia Walquiria. “O Bolsa Família deveria se transformar em política pública, não mais política de um governo. É um processo, um avanço que mal começou e ainda é muito insuficiente. Mas quem narra uma história tem que ser capaz de narrar todos os passos desta história”, finaliza a pesquisadora.
Imagem: Marina Braga
Durante a discussão foram quebradas as falácias impostas por uma classe endinheirada excludente e preconceituosa que diz, entre tantas outras coisas, que o “Bolsa Família” “dá o peixe, mas não ensina a pescar”. Nos perguntamos: Que peixe?. Discutimos também o equívoco em pensar que o programa se limita a garantir a sobrevivência material dessas famílias que não tem o que comer. O programa tem o mérito de enfrentar importantes questões ligadas à pobreza como a cultura da resignação. Falamos sobre os motivos que levaram o governo a entregar os cartões do “Bolsa Família” às mulheres.
“A clássica resposta sobre essa questão é a de que elas são melhores gestoras das finanças familiares e de que seus maridos normalmente são incapazes de fazer compras adequadas às necessidades familiares ou gastariam o dinheiro em bebidas. No entanto, muito mais que referendar essa justificativa, a decisão do governo em destinar o benefício do programa às mulheres (muitas passaram a dispor de uma renda fixa pela primeira vez) representou, para as destinatárias, a conquista de maior independência e segurança. Em sua maioria, afirmaram se sentir mais livres (ou “à vontade”, nas palavras delas) e menos angustiadas no que diz respeito à capacidade de adquirir bens primários para suas famílias”, relatam Valquíria e Alessandro à matéria da Revista da Unicamp.
Trechos do livro:
Em seguida nos dirigimos para a residência de Dona Madalena, agora com 35 anos. Encontramo-la “batendo feijão” na sua minúscula propriedade. Veio nos atender de modo sorridente, muito diferente do ano anterior, quando a encontramos lacônica, de semblante sombrio, tendo caído em prantos a certa altura da entrevista. Fotografamo-la juntamente com seus filhos, e neste momento ela fez questão de contar que no ano anterior a tínhamos encontrado num dos momentos mais difíceis de sua vida, pois queria se separar do marido. Agora, havia conseguido a separação e a vida havia melhorado muito. Perguntamos-lhe quanto estava recebendo pelo programa BF, e ela muito alegre nos disse: “Estou recebendo R$ 112 com esse pequeno aumento que teve”.
(...)
Do ponto de vista das mulheres entrevistadas, salta aos olhos seu desejo de garantir um futuro melhor a seus filhos. Pode-se dizer que é essa quase sua única esperança na vida: fazer deles pessoas menos destituídas de capacitações do que elas, enfim, equipá-los melhor para que busquem outro destino.
(Relato em Inhapi-Al, 2007)
Após a leitura desse relato, refletimos sobre a vida dessas mulheres e o que é o feminismo para nós e para elas. Mais uma vez, é preciso reconhecer a hierarquia de opressões. Mulher branca, mulher negra, mulher homossexual, mulher negra, mulher índia, mulher pobre. Somos muitas mulheres!


Links:

domingo, 6 de outubro de 2013

Reunião mensal: resumo de setembro


Imagem: Camila Araújo

Iniciamos a discussão deste domingo falando sobre a 21° Semana de Jornalismo, mais especificamente sobre a mesa que debateu o tema “Conteúdo das revistas masculinas”: até que ponto os produtores das revistas masculinas tem consciência da sua colaboração para a objetificação da figura feminina? Entendemos que o mercado dessas publicações se baseia em um círculo vicioso: a demanda pedindo e consumindo um conteúdo machista e a mídia formando a consciência de sua demanda. A revista masculina não se posiciona como emancipadora deste quadro, afinal, ela tem o poder de escolher o conteúdo veiculado, porém, as grandes publicações preferem se acomodar a saírem da zona de conforto que o machismo lhes oferece.

Abordamos também a Black face, que se resuma na personificação do racismo. A personagem “Adelaide”, do programa Zorra Total, exibido pela rede Globo é a black face mais famosa atualmente. Nela, a mulher negra é reduzida a um arquétipo de pobre, negra, incômoda, fedida e banguela, o que nos leva a reflexão: qual é o papel da mulher negra num Brasil onde em vagas de emprego aparecem os requisitos “aparência formal” ou “ter boa aparência”? Qual é o papel da mulher negra num Brasil onde em pleno horário nobre é mostrado no veículo de maior audiência do país um personagem como Adelaide? A mulher negra na mídia brasileira é algo que deve ser pensado e repensado.

Os presentes na reunião cogitaram a existência de uma hierarquia de gênero e de raças, onde o homem branco reina no topo, seguido da mulher branca, homem negro, e, abaixo de todos, a mulher negra.

Esta hierarquia se evidencia nas novelas brasileiras, que seguem basicamente o mesmo padrão: o homem branco, sendo o chefe de família; a mulher branca, apesar de submissa ao seu marido, mandando em sua casa e criados; o homem negro como empregado ou bandido; a mulher negra como empregada ou cozinheira, mas sempre um símbolo sexual à disposição dos homens.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Aborto + Biologia Feminina

Aborto no Brasil: a lei que mata


Imagem: Viardel Cosme - Anatomical view of pregnant woman /
 Arte: Giovanna Cartapatti
O caso da criminalização do aborto é uma grande prova de como uma lei, baseada em opiniões moralistas e religiosas (e não na evidência de fatos sociais, como deveria ser), prejudica a saúde coletiva de modo tão gritante. Na reunião desta quinta-feira escolhemos dois textos de pesquisa acerca do tema no âmbito da saúde pública brasileira. O primeiro deles é um artigo editorial da RevistaBrasileira de Ginecologia e Obstetrícia, “Novamente a questão do aborto noBrasil: ventos de mudança?”, escrito pelo professor Rodolfo de Carvalho Pacagnella, do departamento de medicina da Universidade Federal de São Carlos; e o segundo, escrito pela pesquisadora Greice Menezes, do departamento de medicina da Universidade da Bahia, “Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avançose desafios para o campo da saúde coletiva”, que apresenta dados e conclusões sobre a perspectiva do tema no país.

A criminalização do aborto envolve questões médicas, jurídicas, éticas, morais e religiosas. Em 2012, foi aprovado no STF, por dois votos contrários e oito a favor, a não criminalização do aborto em casos de fetos anencéfalos, o que forçou o debate acerca da autonomia da mulher e do direito reprodutivo. Em 2005/2006, foi feito um estudo com 4000 juristas no Brasil que observou que mais de 80% deles acreditavam que as circunstâncias de não criminalização do aborto deveriam ser ampliadas. Apenas 10% dos católicos do país acreditam que a igreja deva prevalecer sobre a diversidade de opiniões. Seriam esses alguns “entretantos” que comportam os ventos de mudança?

Entre muitos (ou nem tantos) “entretantos”, não é a clandestinidade que mata as mulheres no aborto. E sim a vulnerabilidade social. Estudos mostram que as mulheres que optam pelo aborto chamado inseguro, em sua maioria, são pobres, negras, migrantes, de baixa renda e escolaridade, solteiras e sem acesso à contracepção. A mulher rica tem mais entrada e menos insegurança no processo, portanto, mais chance de viver. Apesar de, no geral, o aborto ter porcentagem mais baixa em comparação a outros casos de morte e morbidade materna, quando há alguma complicação no aborto (sobretudo no inseguro), ela é mais prevalente. Cerca de 5% das mulheres que têm complicações no aborto chegam ao near miss materno, expressão utilizada para categorizar as grávidas que chegaram à quase morte durante quaisquer complicações na gestação.
Imagem: Marina Braga

Mas, então, o que leva às complicações no aborto inseguro? Menos o biológico do que a carência da assistência técnica, com certeza. Existe uma norma brasileira, intitulada Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, cujo nome é autoexplicativo, que, mesmo em condição de norma, é impedida de ser concretizada pela carência de vagas nos cuidados de pós-abortamento e pela discriminação dos médicos perante as pacientes. O que nos leva, novamente, à questão da lei. Estudantes de medicina não são treinados para lidar com tais questões, além do preconceito causado pela criminalização do ato.

Ainda há outra questão inerente ao caso do aborto: a gravidez indesejada. O sentimento negativo que, desde a suspeita de gravidez cerca as mulheres, levam-nas a ter o aborto como única consequência em uma história de alternativas escassas. Decisão que traz consigo mais sofrimento físico e emocional, justamente pela criminalização. Embora, no Brasil, tenha havido melhoras no acesso à contracepção pelas mulheres de nível socioeconômico mais baixo, segundo a PNDS de 2006, 26% das mulheres em questão, de 15 a 44 anos, não utilizam nenhum método contraceptivo. Além de que, deve-se considerar as relações de gênero implicadas na obtenção de contracepção. Embora continue como um domínio feminino, a escolha do método pode ser feita em função de preferências dos homens. O que resta, então, é a clandestinidade. Em um contexto de sistema de saúde ineficaz, a ilegalidade está sim associada aos procedimentos inseguros e à demora no atendimento médico.

O aborto é objeto de forte sanção social. E a gravidez fora do planejamento familiar também. É curioso como jovens de maior renda relatam menos ocorrência de gravidez do que as de menor renda, mas, se isto aconteceu, recorrem mais ao aborto (o mesmo acontece nos casos de violência: mulheres pobres denunciam mais do que as ricas, é tudo uma questão de status). Há recorrências em estudos que investigam óbitos maternos de jovens grávidas por suicídio. A estrutura da ilegalidade leva a tormentos psíquicos. Se a desculpa da lei for o gasto público, há uma pesquisa avaliando que, em 1991, no Rio de Janeiro, o total gasto com internações por causas de complicações no aborto inseguro seria suficiente para que o estado assumisse a realização de aproximadamente 62 mil abortos seguros, ou seja, 91% dos procedimentos estimados para aquele ano.

São por essas e outras que os resultados dos estudos acadêmicos devem ter divulgação mais ampla na sociedade, de modo a superar a visão dualista e ideologizada que marca a discussão sobre o direito ao aborto no Brasil.



+ Vídeo postado no instagram com trecho da reunião

BLACK é lindo e está por toda parte

Ser negra não é profissão.

Imagem: Marina Braga

A Frente Feminista Casperiana Lisandra (FFCL) promoveu para a Semana de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero uma debate sobre uma questão silenciosa que pede barulho.  Uma discussão isolada para alguns, porém bastante presente para outros, que aborda sobretudo o retrato da mulher negra na sociedade em que vivemos.

Desta vez, o tema foi acerca da Mulher Negra na Mídia, e como um bom espaço de discussões, o debate ultrapassou o tema pontual e contemplou, com a ajuda das convidadas, outras questões inerentes ao assunto.

Charô Nunes, que escreve para a página Blogueiras Negras, introduziu o tema com o conceito de Black Face. De acordo com a escritora, a imagem do negro sempre foi vítima da potencialização de estereótipos de cada época.  Assim, se na década de 30 o homem e a mulher negra eram animalizados, na década de 70 passaram a representar o malandro e a ‘sexualmente disponível’, assim como nos dias de hoje são representados como subalternos ou serviçais, se forem representados.

A Black Face nada mais é do que a internacionalização do racismo, que vai se consolidar naturalmente por meio da invisibilidade difundida pelas mídias, seja em novelas, noticiários ou programas humorísticos. Os exemplos desses casos se jogam aos nossos olhos quando ligamos a televisão, principalmente no que se refere a programas de humor, que usam essencialmente figuras como o negro, o pobre, a mulher e o homossexual como foco de chacota. Sobre isso Charô deixou bem claro, não se enganem: “O humor que ri do oprimido é o cimento para consolidar o racismo e outros preconceitos”, assim os torna confortáveis aos olhos.

A jornalista Juliana Gonçalves falando sobre o retrato da mulher negra pela mídia, como "o lugar que me colocaram", a projeção do negro pelo branco, o preconceito como forma de silêncio.
 (Imagem: Marina Braga)
Pegando o gancho deixado por Charô, Juliana Gonçalves, jornalista que faz parte da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), evidenciou os estigmas que as mulheres negras carregam, o que é reafirmado e consolidado por sua ‘invisibilidade’. Entre esses estigmas está o desnível no salário e a desvalorização da aparência negra – como cabelo black, que é associado a informalidade.  Diante disso, Juliana afirmou que o silêncio é um “fiel guardião de privilégios dos opressores” e que vigora enquanto o cultivarmos.

Sobre a maneira como a mulher negra é retratada nos veículos de comunicação, Fernanda Alcântara, editora chefe da revista Raça Brasil, denunciou a grande lacuna que existe quando o assunto é essa imagem das mulheres negras, afinal a grande questão é: onde estão estas mulheres? Sem dúvida estão por toda parte, com exceção das capas de revistas. Fernanda falou da exclusão da beleza negra da consagrada ‘beleza padrão’, e o modo como esta é padronizada e vista como uma categoria - “beleza exótica”- enfatizou ainda, assim como as outras convidadas, a sua ausência nos veículos em geral.

O que podemos ver é que o modo como as mulheres negras são representadas pela mídia interfere na imagem e na construção de uma identidade fora dos holofotes, afinal, como assumir uma identidade que é estigmatizada, vitimizada e não representada? Justamente por isso que assumir-se negro é considerado uma posição política. Se assumir negro é, sobretudo, enxergar essas injustiças, ou seja, reafirmar que o racismo EXISTE e a partir disso lutar para que haja mudanças.

Eu, particularmente fiquei satisfeita em ver a sala lotada e os olhos atentos e interessados nas questões discutidas, não apenas por eu ser uma mulher negra, mas também porque acredito que o debate sobre questões que ficam à margem da representatividade não permite apenas dar voz ao silêncio que se instaura envolta destes assuntos, como também denunciar essas discriminações de maneira a cultivar uma mudança, afinal o racismo não é um problema só dos negros.


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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Esquizofrenia das revistas femininas

Xs convidadxs da palestra: Deborah de Souza, Fernando Luna
e Clara Averbuck; a integrante da FFCL Beatriz Cano e a
mediadora, Helena Jacob / Imagem: Marina Braga
Na noite do segundo dia do ciclo de palestras da 21ª Semana de Jornalismo da Cásper Líbero, a Frente Feminista Casperiana Lisandra, em espaço cedido pelo Centro Acadêmico Vladmir Herzog, organizou quatro mesas simultâneas que abordaram temas pautados pelo feminismo e relacionados intrinsecamente com os meios jornalísticos e a mídia em geral. Uma das mesas focou o conteúdo veiculado em revistas rotuladas como femininas, e em como ele afeta suas leitoras. 
Para debater esse tema, foram convidados Déborah de Souza, que já passou por redações de revistas como Claudia e hoje é editora de comportamento da Marie Claire; Fernando Luna, com passagem pela revista Capricho e um dos idealizadores da revista Tpm; e Clara Averbuck, escritora, blogueira feminista e colaboradora da Carta Capital. Representando a Frente Feminista, também compôs a mesa a aluna Beatriz Cano, do 2º ano de Jornalismo da Cásper. A professora Drª Helena Jacob, mediadora da mesa, abriu o debate dizendo como o assunto lhe interessava pessoal e profissionalmente.
A discussão de início se dedicou ao futuro incerto do jornalismo impresso, que se encontra em crise. Faz sentido discutir o conteúdo das revistas, uma vez que elas estão fechando em abundância? Todos concordaram que sim, e nenhum dos convidados acredita que esse possa ser o fim das revistas como veículo  – crise, como Fernando Luna destacou, nada mais é que uma mudança, e o jornalismo passa por crises desde sua criação. 
Pelo Twitter, Clara Averbuck anuncia sua participação
na palestra organizada pela FFCL
Voltando ao foco do debate, Déborah de Souza destacou que o conteúdo das revistas femininas reflete a sociedade: “Esses valores que nós passamos na revista – eles estão pulverizados no cinema, na TV, na música… As revistas não existem num vácuo”. Clara Averbuck, por sua vez, reconheceu essa realidade, mas a criticou duramente: “A mudança tem que começar por algum lugar. Eu tento ter esse espaço positivo no meu blog, mas ele geralmente só atinge pessoas que concordam em algum nível comigo, salvo um ou outro indivíduo que chega lá por um compartilhamento de Facebook, por exemplo”.
Foram questionados os padrões de beleza sustentados por esses veículos, mostrando apenas modelos e atrizes brancas, geralmente loiras e magras ao extremo (“algumas parecem aquelas bonecas Monster High!”, comentou, indignada, Clara) e veiculando dietas que prometem perdas de peso significativas em pouco tempo; ou a conquista do que vem se chamando de “barriga negativa”. Sobre isso, Fernando Luna ponderou: “Estão vendendo ilusões. Tudo isso é mentira. Se qualquer outro segmento profissional fizesse promessas assim, seria sem dúvida processado pelo Procon”.
A complexidade do problema foi claramente exposta por Déborah: “Vejo uma esquizofrenia no conteúdo das revistas femininas. Num mês publica-se uma matéria com modelos plus size, defendendo a liberdade para ser feliz e a positividade de amar seu corpo. Mas algumas edições “mais pra frente”, as essas publicações voltam a dar dietas milagrosas novamente”.



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Machismo: tendência old fashion? A visão deles sobre a questão

Na mesa 4: Fel Mendes, Ricardo Lombardi, Ivan Padilha e, o membro da FFCL Dante Felgueiras debatem sobre como o conteúdo das revistas masculinas afeta os homens, mediados pelo professor Carlos Costa. / Imagem: Marina Braga
Apesar de a Frente Feminista Casperiana Lisandra já ter protagonizado interessantes discussões a respeito do papel da mulher em diversas esferas da sociedade e sua relação com o machismo, era preciso promover um debate que viesse sob uma nova ótica, afinal é sempre bom buscar novas maneiras de enriquecer nossas reflexões. Partindo do pressuposto de que se devem ouvir os dois lados de uma questão, a Frente resolveu convidar conceituados jornalistas do mercado de revistas masculinas para que, a partir da experiência deles, explicassem o processo de concepção das matérias veiculadas em suas revistas e, mais importante: o quanto elas contribuem ou possam vir a contribuir para a perpetuação do machismo.

Como o homem se relaciona com aquilo que lê nessas revistas e se isso colabora para seu comportamento sexista. Essa era, provavelmente, a maior questão pela qual se esperava algo o mais próximo possível de uma “resposta”. O primeiro a dar a palavra foi o Maurício Barros, diretor de redação de PLACAR. “Me parece que o futebol seja o último reduto do machismo tosco e borracheiro”, talvez tenha sido uma das suas poucas considerações relevantes no fomento do debate. Infelizmente, Maurício tinha um compromisso que o impossibilitou de ficar até o fim, mas enquanto esteve presente pouco acrescentou e comentou a respeito da mulher no contexto dessas revistas, reduzindo suas colocações a respeito da mudança editorial pela qual PLACAR passou nos últimos tempos e, o que me pareceu no mínimo irônico em se tratando de um debate promovido por uma frente feminista, de como PLACAR é “uma revista de macho”. Se foi por brincadeira que ele comentou isso ou não, deixo que vocês tirem suas próprias conclusões.

Logo depois foi a vez do Ivan Padilla, diretor de redação da GQ. “Não é fácil fazer uma revista masculina porque o homem se relaciona com a revista de maneira diferente das mulheres. Vejo na Glamour (que fica no mesmo prédio) mulheres que vão na redação pra conhecer a equipe, não é o que acontece na GQ.  O leitor masculino é um pouco mais cético”. Justamente por esse envolvimento mais “superficial” do homem, tanto o Ivan quanto o Ricardo Lombardi (diretor de redação da VIP) acreditam que é mais libertador escrever para homens, mas também complicado quando o assunto são as belas mulheres que estampam as capas de suas publicações. Quando indagados sobre o padrão de beleza dessas modelos, Ricardo foi categórico: “Quanto mais famosa for a mulher, mais ela vende. A revista é um negócio, ela precisa dar lucro. É uma lógica capitalista que continuará valendo. Já coloquei famosas na capa que nem eram tão interessantes, mas porque eu sabia que venderia mais do que se eu colocasse uma desconhecida. Mediador do debate, o professor Carlos Costa, que citou o sociólogo e semiótico Eliseo Verón para explicar essa perspectiva mercadológica: de acordo com o argentino, existe um contrato de leitura, que é a relação estabelecida entre leitores e publicação, isto é, o leitor tem uma demanda a qual essas publicações se comprometem a atender. Se o leitor percebe uma “traição” por parte desses veículos, ele então “rompe” o contrato e não mais compra a revista.

Ainda sobre a lógica da mulher como “objeto do prazer hedonista do homem” através dos ensaios sensuais, eles explicaram a difícil conciliação entre agradar o leitor que compra a revista para ver a mulher (“sabemos que o homem compra a revista pela mulher na capa, mas tentamos oferecer algo a mais para ele”, de acordo com Fel) e a modelo que pede para ser retocada porque vê defeitos na foto original. “Mostro pras modelos as fotos, mas elas reclamam. Há o dilema: tenho o compromisso com o público, mas tenho de agradar a modelo”, como colocou Ricardo. Para Fel Mendes, redator-chefe da Sexy, também “é uma situação muito delicada: a mulher tira a roupa com umas 8 pessoas no estúdio e, por isso, nem sempre se sente à vontade para algumas fotos. A depender do que a gente ofereça, a gente recebe reclamação do leitor. Sei que a Sexy ainda carrega este machismo da mulher objeto, mas tentamos fugir disso”. Já o Ivan completou explicando que essas fotos giram entre os eixos aspiracional e inspiracional, mostrando aquilo que provoca, insinua, mas não de forma escancarada. Se dependessem dos debatedores, as fotos receberiam o menor retoque possível.

Mas e o machismo? “O machismo é absolutamente old fashion”, resumiu o Maurício aquilo que foi consenso para os jornalistas convidados. Para eles, o homem tem mudado e, por isso, não cabem mais “pautas para o homem alfa”.  De acordo com o Ricardo: “Não dá pra fazer uma revista masculina machista em 2013, desconectada do mundo. Temos um cenário em que a mulher se coloca numa posição bastante interessante. A nota de corte dela aumentou bastante, o homem hoje tem de ter um repertório cultural”. Já para o Fel, talvez exista uma realimentação desses estereótipos sexistas, mas a sacada é tentar fugir disso, até porque “existe também um senso crítico, o leitor não assimila tudo assim”. E completou: “Acho que a melhor maneira de mostrar o machismo para o homem é trazer com certo humor essa discussão pra mostrar que ele é sim machista”.

O jornalismo masculino pode ter mudado, acompanhando esse homem contemporâneo, mas isso não significa que o DNA de suas revistas tenha alterado. “A gente continua falando com o macho urbano, mas cada um a sua maneira”, segundo Ricardo. As revistas para o público masculino seriam o momento do homem para si, “um momento de transgressão desse homem que convive em espaços que há maioria feminina. Acho que tem momentos e momentos da vida. É a revista dele, o momento dele. Ele não precisa negociar com a mulher. É um momento que ele se relaciona consigo mesmo e não com o mundo”.

Quanto dessa relação do homem é capaz de prejudicar a mulher no tange ao estabelecimento de padrões que corroboram num pensamento machista? Isso não foi respondido na mesa de terça, mas deveria ser pensado mais vezes. Apesar da dinâmica mercadológica necessária para manutenção dessas revistas, o olhar cuidadoso ao conteúdo delas deve ocorrer. Ainda que este macho urbano seja contemporâneo e não mais tenha vontade de consumir um conteúdo preconceituoso, não devemos esquecer que nessa selva de pedra, ainda há muitos “alfas” rondando.


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