quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Aborto + Biologia Feminina

Aborto no Brasil: a lei que mata


Imagem: Viardel Cosme - Anatomical view of pregnant woman /
 Arte: Giovanna Cartapatti
O caso da criminalização do aborto é uma grande prova de como uma lei, baseada em opiniões moralistas e religiosas (e não na evidência de fatos sociais, como deveria ser), prejudica a saúde coletiva de modo tão gritante. Na reunião desta quinta-feira escolhemos dois textos de pesquisa acerca do tema no âmbito da saúde pública brasileira. O primeiro deles é um artigo editorial da RevistaBrasileira de Ginecologia e Obstetrícia, “Novamente a questão do aborto noBrasil: ventos de mudança?”, escrito pelo professor Rodolfo de Carvalho Pacagnella, do departamento de medicina da Universidade Federal de São Carlos; e o segundo, escrito pela pesquisadora Greice Menezes, do departamento de medicina da Universidade da Bahia, “Pesquisa sobre o aborto no Brasil: avançose desafios para o campo da saúde coletiva”, que apresenta dados e conclusões sobre a perspectiva do tema no país.

A criminalização do aborto envolve questões médicas, jurídicas, éticas, morais e religiosas. Em 2012, foi aprovado no STF, por dois votos contrários e oito a favor, a não criminalização do aborto em casos de fetos anencéfalos, o que forçou o debate acerca da autonomia da mulher e do direito reprodutivo. Em 2005/2006, foi feito um estudo com 4000 juristas no Brasil que observou que mais de 80% deles acreditavam que as circunstâncias de não criminalização do aborto deveriam ser ampliadas. Apenas 10% dos católicos do país acreditam que a igreja deva prevalecer sobre a diversidade de opiniões. Seriam esses alguns “entretantos” que comportam os ventos de mudança?

Entre muitos (ou nem tantos) “entretantos”, não é a clandestinidade que mata as mulheres no aborto. E sim a vulnerabilidade social. Estudos mostram que as mulheres que optam pelo aborto chamado inseguro, em sua maioria, são pobres, negras, migrantes, de baixa renda e escolaridade, solteiras e sem acesso à contracepção. A mulher rica tem mais entrada e menos insegurança no processo, portanto, mais chance de viver. Apesar de, no geral, o aborto ter porcentagem mais baixa em comparação a outros casos de morte e morbidade materna, quando há alguma complicação no aborto (sobretudo no inseguro), ela é mais prevalente. Cerca de 5% das mulheres que têm complicações no aborto chegam ao near miss materno, expressão utilizada para categorizar as grávidas que chegaram à quase morte durante quaisquer complicações na gestação.
Imagem: Marina Braga

Mas, então, o que leva às complicações no aborto inseguro? Menos o biológico do que a carência da assistência técnica, com certeza. Existe uma norma brasileira, intitulada Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, cujo nome é autoexplicativo, que, mesmo em condição de norma, é impedida de ser concretizada pela carência de vagas nos cuidados de pós-abortamento e pela discriminação dos médicos perante as pacientes. O que nos leva, novamente, à questão da lei. Estudantes de medicina não são treinados para lidar com tais questões, além do preconceito causado pela criminalização do ato.

Ainda há outra questão inerente ao caso do aborto: a gravidez indesejada. O sentimento negativo que, desde a suspeita de gravidez cerca as mulheres, levam-nas a ter o aborto como única consequência em uma história de alternativas escassas. Decisão que traz consigo mais sofrimento físico e emocional, justamente pela criminalização. Embora, no Brasil, tenha havido melhoras no acesso à contracepção pelas mulheres de nível socioeconômico mais baixo, segundo a PNDS de 2006, 26% das mulheres em questão, de 15 a 44 anos, não utilizam nenhum método contraceptivo. Além de que, deve-se considerar as relações de gênero implicadas na obtenção de contracepção. Embora continue como um domínio feminino, a escolha do método pode ser feita em função de preferências dos homens. O que resta, então, é a clandestinidade. Em um contexto de sistema de saúde ineficaz, a ilegalidade está sim associada aos procedimentos inseguros e à demora no atendimento médico.

O aborto é objeto de forte sanção social. E a gravidez fora do planejamento familiar também. É curioso como jovens de maior renda relatam menos ocorrência de gravidez do que as de menor renda, mas, se isto aconteceu, recorrem mais ao aborto (o mesmo acontece nos casos de violência: mulheres pobres denunciam mais do que as ricas, é tudo uma questão de status). Há recorrências em estudos que investigam óbitos maternos de jovens grávidas por suicídio. A estrutura da ilegalidade leva a tormentos psíquicos. Se a desculpa da lei for o gasto público, há uma pesquisa avaliando que, em 1991, no Rio de Janeiro, o total gasto com internações por causas de complicações no aborto inseguro seria suficiente para que o estado assumisse a realização de aproximadamente 62 mil abortos seguros, ou seja, 91% dos procedimentos estimados para aquele ano.

São por essas e outras que os resultados dos estudos acadêmicos devem ter divulgação mais ampla na sociedade, de modo a superar a visão dualista e ideologizada que marca a discussão sobre o direito ao aborto no Brasil.



+ Vídeo postado no instagram com trecho da reunião

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