quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Culpabilização da vítima, cultura de estupro e slut shaming.

Imagem de “A Culpa é Sua!” (campanha anti-estupro estrelada pela atriz de Bollywood Kalki Koechlin e apresentadora de TV Juhi Pandey). Crédito da arte: Camila Araújo
A segunda reunião do ano da Frente Feminista Casperiana Lisandra reuniu três temas: cultura de estupro, culpabilização da vítima e slut shaming, e foi mediada por Camila Araújo e Tamiris Medeiros.

O texto escolhido para o debate sobre cultura de estupro foi escrito por Cynthia Semíramis para a Revista Fórum e traz uma reflexão sobre a relação de poder estabelecida pelo patriarcado contra as mulheres, predeterminando papéis de gênero e “punindo” com agressão física, verbal, violência sexual e feminicídio, as mulheres que não se enquadram ou rompem com essas imposições. Nessa estrutura o corpo da mulher é visto como propriedade masculina, e uma das formas de perpetuar o papel de inferioridade e submissão, se dá pelo controle das roupas, comportamentos e da sexualidade.

Imagem de KKFranca/Arte Destrutiva 
no Facebook e no Deviantart.
O debate seguiu para a pauta culpabilização da vítima, que compreende em um “ande na linha ou aguente as consequências”. Entendemos com a leitura do texto e discussão, que a vítima é culpabilizada por estar fora do espaço que “lhe compete”, ou seja, cozinha, casa, etc. A discussão ficou mais acalorada quando foi citada a popularidade da pornô de revanche (revenge porn), que tem perpetuado o machismo estrutural da nossa sociedade. A pornô de revanche consiste em expor, humilhar e massacrar as mulheres que tiveram fotos ou vídeos íntimos expostos na internet, como se estivessem cometido algum crime. Fazer sexo não é crime, filmar ou fotografar também não é crime, entretanto, divulgar vídeos e imagens de alguém, sem autorização, é crime.


No fim de 2013, houve um caso em Goiânia de uma mulher que foi exposta pelo ex-parceiro em um vídeo que ficou popular na internet. Ela parou de estudar, saiu do emprego e ainda virou uma “piada”, como se já não bastassem todos os xingamentos que ouviu, injustamente. Em casos mais extremos de culpabilização da vítima, algumas meninas não suportaram toda a humilhação e cometeram suicídio.
A discussão foi ficando acalorada e entramos em slut shaming – expressão usada para descrever a inferiorização da mulher por meio de diversos insultos direcionados ao gênero, indo de “oferecida” até “vadia”.  

O vídeo abaixo foi gravado por duas atrizes indianas em resposta aos altos números de estupros na Índia, e aos discursos de ódio direcionados às mulheres:



O comportamento sexual, as roupas, o jeito e tudo que uma mulher faz, é constantemente vigiado e criticado por uma sociedade patriarcal e conservadora.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Práticas machistas dentro da universidade: trote

A foto ficou pequena para tanta gente que se espremeu em uma "roda" para a primeira reunião de 2014!
(Imagem: Marina Braga)

A grande surpresa na primeira reunião de 2014 para a Lisandra foi o número de pessoas presentes em frente ao CAVH para debater sobre o trote e práticas machistas, em geral, nas universidades.
60 estudantes da Cásper, calourxs em sua maioria, apertaram-se em uma roda que agora mal cabia no espaço, mas que antes era mais que suficiente. Mesmo assim, o debate rendeu e era possível ver a vontade de cada umx de estar ali, conversando, trocando opiniões, discutindo da maneira mais saudável.
Quem mediou a reunião foi a Marina Braga, que levou dois textos ( "Machismo na universidade: até quando?" + "Fica o aviso de que trote opressor não é diversão" ) para apontar questões mais polêmicas. Antes de entrar no tema, Marina apresentou a Lisandra e contou um pouquinho de como a Frente funciona: reuniões semanais e mensais, os eventos, o Grupo de Ação etc.
A discussão começou com a polêmica que o trote de 2014 na Cásper gerou e muitas das pessoas presentes concordaram que a violência no evento foi desnecessária. O conceito de que os trotes na Cásper não costumam ser violentos é errôneo, já que não é preciso que haja agressão física, o constrangimento moral é peça-chave para a perpetuação machismo, tanto no âmbito universitário, quanto nas relações sociais em geral.
Acerca da simulação de sexo oral que calouras e calouros (em menor quantidade) foram submetidxs, o concenso geral da reunião foi de que não é fácil dizer que "só fez quem quis".  A falta de força para dizer NÃO vem do fato de que a sociedade reprime cotidianamente mulheres e homossexuais, ou seja, o privilégio dxs veteranxs intimida e remete à opressão que essas pessoas sofrem. 
Aliás, é por isso que a polêmica também abrange o fato de que (principalmente após a divulgação das fotos pela mídia) uma menina ter sido submetida a essa situação, dá margem para QUALQUER mulher ou homossexual se sentirem ofendidxs - independentemente de quem chupou o pepino, tenha se ofendido ou não.
Outra crítica veemente feita durante a reunião foi em relação à linha de pensamento “fizeram comigo ano passado também”. Estudantes de comunicação devem repensar a importância do papel que têm na sociedade. Estamos na Cásper Líbero estudando justamente para aprendermos a questionar e a não  repetir certos atos com justificativas e ideias prontas.
Resultado de um domingo no parque: oficina de
camisetas da Lisandra para fiscalizar machismos no trote
da Cásper. (Imagem: Marina Braga)
Em relação às roupas cortadas, apesar da campanha da Lisandra para que veteranxs perguntassem antes para xs calourxs, se podiam usar a tesoura e qual era o limite, foi notável o desrespeito para com a galera que acabou de entrar na Faculdade. Muitxs na reunião se perguntaram como essas pessoas voltaram para casa, já que algumas estavam seminuas, totalmente expostas. No caso das mulheres, sutiãs e calcinhas estavam parcial ou totalmente expostos. Ainda houve o caso de uma garota que teve suas mãos e pernas cortadas por “acidente”.
Trouxeram para o debate a questão que também foi discutida em redes sociais: muitas mulheres reproduziram comportamentos machistas durante o trote, pois elas também fizeram calourxs simularem sexo oral. Mas…fica a indagação: existe mulher machista?
Poderíamos mudar os termos e pensar sobre o racismo que vem de negros ou a homofobia que vem de homossexuais. A resposta é a mesma (que ajuda a perpetuar e até legitimar os preconceitos): é a tomada para si de uma mentalidade dx opressorx. Talvez por haver vantagens (na vida social, na vida familiar, no trabalho etc), a questão é que: não é possível uma única pessoa exercer os dois papéis, de oprimidx E opressorx. Uma mulher (oprimida) machista (opressora). Um negro (oprimido) racista (opressor). Uma lésbica (oprimida) homofóbica (opressora). E por aí vai.
Não existe mulher machista!
(Imagem: página no Facebook "Moça,
você é machista")
Mulheres machistas não querem ser incomodadas com esse papo-aranha de que o mundo precisa mudar. Tá tudo bem do jeito que tá. Pra que ser uma feminista-gorda-feia-histérica-lésbica-peluda-que-odeia-homem-mas-(misteriosamente)-quer-ser-homem!? Nasci assim, não preciso sair do meu lugar, não é mesmo?
Bem…voltamos à questão de estarmos em uma Faculdade de comunicação, na qual aprender a questionar toda e qualquer mentalidade é o ideal. Seria o ideal. Porque a falta de comunicação (ou da vontade de se comunicar) é visível. Em meio a grande repercussão da notícia sobre o adolescente que foi amarrado à um poste no Rio de Janeiro (fato que ocorreu na semana anterior ao trote), veteranxs de Publicidade e Propaganda também amarraram um calouro à um poste. A alegação foi de que "não sabiam do ocorrido". Futurxs comunicadores que não se atentam aos fatos cotidianos: qualquer pessoa que visse a cena faria imediatamente a associação. 
E por falarmos em “ideal”, o que restou foi a pergunta: "qual seria o 'trote ideal’?”. Uma fala muito importante foi feita logo no finzinho sobre o desperdício de comida que sempre rola nesse ritual de passagem. Disseram que no trote da manhã, mendigos se uniram à “nossa diversão” para aproveitar o resto dos peixes que haviam na porta da Paulista, 900.
Seria realmente muito bom que a reflexão não parasse por aqui e que o amor pela Cásper fizesse crescer mais humanidade dentro dxs respectivxs casperianxs. Em 2015, a Lisandra estará presente e espera que atitudes como as que debatemos, não voltem a acontecer. 


Aqui, alguns (muitos) portais que divulgaram o ocorrido: 










…e a nota oficial da Faculdade Cásper Líbero:

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Lisandra na Semana de Integra da Cásper


A primeira noite da Semana de Integra (12/02) foi organizada pela Frente Feminista   
Da esquerda para a direita: Camila, Tamiris, Giulia e Natália guiando o Quiz (Imagem: Marina Braga)

Casperiana Lisandra e dividida em dois momentos: o ‘Quiz’ e a palestra sobre mercado de trabalho, ambos realizados no saguão do 5º andar da faculdade.

Durante o ‘Quiz’, parte do Grupo de Ação da FFCL lançou provocações a veteranxs e calourxs que estavam presentes. Um debate foi gerado logo de cara com o trote de 2014 como tema. Toda a polêmica dos abusos cometidos por parte dxs veteranxs foi discutida entre quem estava presente. Além disso, as meninas da Lisandra jogaram na roda questões como o “Revenge Porn” (fotos íntimas que acabam sendo divulgadas na internet), a objetificação do corpo da mulher e as famosas cantadas de rua.

Satisfeito com o resultado do ‘Quiz’, o público permaneceu no saguão para assistir a palestra em sequencia, que teve como carro-chefe a pergunta “existe diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho?”. A integrante do CAVH Beatriz Cano (3º ano de Jornalismo) mediou as falas e um novo debate foi aberto ao fim delas.

Três convidadas fizeram parte da mesa: a jornalista e colaboradora do Blogueiras Feministas, Luana Franca; a advogada e economista integrante do Jovens Feministas de São Paulo e consultora do , Lia Lopes; e a aluna do 2º ano de Jornalismo pela Cásper e integrante da FFCL, Marina Braga.

Por ser muito ampla, a questão do mercado de trabalho não pode ser englobada apenas pelo feminismo. É um problema geral. A maioria das pessoas não trabalha por gosto ou por realização, mas por necessidade de sustento, como o capitalismo exige. Mas é ainda mais difícil para quem excerce a dupla ou tripla-jornada, ou seja, as mulheres. E é comum ouvir dizer que “o feminismo é culpado por essa situação em que elas se encontram por ter feito com que se emancipassem”. Contudo,  a emancipação da mulher é resultado da indignação com a história em que metade da humanidade se viu excluída nas diferentes sociedades, no decorrer dos tempos.

Como descreveu Virginia Woolf em “Profissões para mulheres e outros artigosfeministas”, a mulher deve ser o “Anjo do Lar”: meiga, delicada, educada, saber agradar e não dar sua verdadeira opinião  (afinal, a mulher não a possui). É como se houvesse um “destino biológico”, que se configura como um destino imutável para homens e mulheres, definindo o padrão nas relações de gênero, onde o homem é o chefe da família, assume o controle da política e trabalha, enquanto a mulher fica responsável pelos serviços domésticos, por cuidar dos filhos e do marido e mantém-se como símbolo da procriação.


Dessa forma, as reivindicações trabalhistas feministas, a luta por direitos iguais entre mulheres e homens no extra-lar, colocou em xeque as opressões machistas da sociedade em relação para com as mulheres, principalmente porque estas reclamaram o campo social considerado ativo, modificando, portanto, costumes, ideais e ideologias, o que a levou a conhecer a si mesma, suas possibilidades e potencialidades, abrindo mão da submissão e do medo, e dando os primeiros passos para a conquista do empoderamento.

Hoje o ambiente de trabalho de muitas empresas é machista, ainda com muitas piadinhas e assédio sexual. A mulher está mais sujeita ao assédio em todas as carreiras. O quadro piora devido à cultura brasileira da objetificação do corpo feminino e à ideia de que as mulheres dizem ‘não’ querendo dizer ‘sim’.
Lia Lopes falando sobre o "destino biológico" da mulher
(Imagem: Marina Braga)


Dados da Organização Internacional do Trabalho indicam que 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente. É o segundo maior problema depois dos baixos salários e, muitas vezes, faz com que a mulher se demita.



Pois é, o salário é desigual, e mulheres ganham cerca de 30% menos que os homens na mesma função, apesar de muitas vezes ter maior escolaridade.

Se ensinada desde pequena a ser passiva e insegura, isso vai se refletir no futuro da mulher, já que a competição e a ambição nem sequer são fomentadas nas meninas. A educação familiar que recebem e os jogos infantis enfatizam a cooperação e a conciliação. O êxito profissional não faz parte da identidade feminina: uma mulher 'realizada' é aquela que se casa e tem filhos, não a que ascende a uma posição de liderança em sua profissão. Além disso, uma mulher sumamente bem-sucedida no trabalho tende a ser percebida como menos feminina: as qualidades exigidas para alcançar sucesso em qualquer área - capacidade, ambição, assertividade, iniciativa e liderança - costumam ser consideradas masculinas.

Ainda seguindo a lógica capitalista de “para sobreviver na nossa sociedade é preciso ter dinheiro e para ter dinheiro é preciso trabalhar”, uma mulher que tenha filhxs se vê em uma situação muito mais complicada: ou deixar as crianças com alguém ou alguém terá que trabalhar por ela.


Mas, então, como faz uma empregada doméstica, por exemplo? Ela não tem essa escolha de poder ou não trabalhar. Não é uma opção pras mulheres pobres ficar em casa cuidando dos filhos. Nunca foi. E é essa, inclusive, uma grande crítica à boa parte do feminismo: só fala às mulheres de classe média. É um movimento burguês, que não contempla todas as mulheres, porque, lógico, a luta de uma mulher negra que mora na favela não é a mesma de uma branca de classe média.

Ainda há vertentes do feminismo que  reforçam o estereótipo de que as mulheres são as únicas responsáveis pelos cuidados com as crianças. Ou seja, a mulher não se limita a maternidade, mas todas as funções e cuidados com o filho/a filha devem ser executadas pelas mulheres.
 Como falar em cuidados compartilhados entre os pais se a licença paternidade é de apenas cinco dias enquanto a licença maternidade é de quatro a seis meses? A não criação de vínculo parental pelo pai da mesma forma como acontece com a mãe, pela ausência de tempo dedicado, leva a nefastas consequências, como o acúmulo de tarefas pela mãe que também trabalha fora de casa.

Obs.: a Lia Lopes nos passou referências de textos e pesquisas que relatam melhor a situação da mulher no mercado de trabalho! Vale a pena dar uma olhada :)

http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A31B027B80131B40586FA0B89/anuarioMulheresBrasileiras2011.pdf

http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/nota_tecnica_tempo_trabalho_e_genero.pdf

http://ww2.ie.ufrj.br/eventos/seminarios/pesquisa/texto06_05_02.pdf

http://www.laeser.ie.ufrj.br/PT/tempo%20em%20curso/TEC%202014-01.pdf

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2012/02/mulheres-na-politica/

http://www.ovalentenaoeviolento.org.br/Artigo/65/Futebol-Brasileiro-e-cantor-Fagner-aderem-a-iniciativa

http://www.criola.org.br/artigos/LEMBRANDO_LeLIA_GONZALEZ.pdf