quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Feminismo e o recorte de classes

As nossas e as suas vozes
Imagem: Eliza Capai / Arte: Giovanna Cartapatti
O debate desta quinta foi tenso. Não por divergência de opiniões, mas porque falar do programa “Bolsa Família” é falar de miséria e, felizmente, nenhum dos presentes passou por situações sequer parecidas. Os relatos dos beneficiados pelo programa, expostos pela mediadora Marina Cipolla, chocaram e provocaram a reflexão sobre o tipo de economia em que vivemos.
O texto discutido foi uma matéria do jornal da Unicamp sobre o livro “Vozes do Bolsa Família”, pesquisa desenvolvida pela socióloga Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, professora titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e pelo filósofo italiano Alessandro Pinzani, professor adjunto de Ética e Filosofia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O livro foi criado com a finalidade de averiguar em que medida o programa mudou a vida das famílias e, em particular, das mulheres que receberam a bolsa. Em todo o Brasil, o Bolsa Família atende a 13,7 milhões de famílias – sendo que 93,2% dos cartões estão em nome de mulheres. São elas que recebem e distribuem a renda familiar.
Xs pesquisadores analisam: “A libertação da ‘ditadura da miséria’ e do controle masculino familiar amplo sobre seus destinos permite às mulheres um mínimo de programação da própria vida e, nesta medida, possibilita-lhes o começo da autonomização de sua vida moral. O último elemento é fundante da cidadania”.
“Nunca é demais lembrar que nossa pobreza não é um fato contingente, mas deita raízes profundas na nossa história e na forma de conduzir politicamente as decisões estatais”, avalia Walquiria. “O Bolsa Família deveria se transformar em política pública, não mais política de um governo. É um processo, um avanço que mal começou e ainda é muito insuficiente. Mas quem narra uma história tem que ser capaz de narrar todos os passos desta história”, finaliza a pesquisadora.
Imagem: Marina Braga
Durante a discussão foram quebradas as falácias impostas por uma classe endinheirada excludente e preconceituosa que diz, entre tantas outras coisas, que o “Bolsa Família” “dá o peixe, mas não ensina a pescar”. Nos perguntamos: Que peixe?. Discutimos também o equívoco em pensar que o programa se limita a garantir a sobrevivência material dessas famílias que não tem o que comer. O programa tem o mérito de enfrentar importantes questões ligadas à pobreza como a cultura da resignação. Falamos sobre os motivos que levaram o governo a entregar os cartões do “Bolsa Família” às mulheres.
“A clássica resposta sobre essa questão é a de que elas são melhores gestoras das finanças familiares e de que seus maridos normalmente são incapazes de fazer compras adequadas às necessidades familiares ou gastariam o dinheiro em bebidas. No entanto, muito mais que referendar essa justificativa, a decisão do governo em destinar o benefício do programa às mulheres (muitas passaram a dispor de uma renda fixa pela primeira vez) representou, para as destinatárias, a conquista de maior independência e segurança. Em sua maioria, afirmaram se sentir mais livres (ou “à vontade”, nas palavras delas) e menos angustiadas no que diz respeito à capacidade de adquirir bens primários para suas famílias”, relatam Valquíria e Alessandro à matéria da Revista da Unicamp.
Trechos do livro:
Em seguida nos dirigimos para a residência de Dona Madalena, agora com 35 anos. Encontramo-la “batendo feijão” na sua minúscula propriedade. Veio nos atender de modo sorridente, muito diferente do ano anterior, quando a encontramos lacônica, de semblante sombrio, tendo caído em prantos a certa altura da entrevista. Fotografamo-la juntamente com seus filhos, e neste momento ela fez questão de contar que no ano anterior a tínhamos encontrado num dos momentos mais difíceis de sua vida, pois queria se separar do marido. Agora, havia conseguido a separação e a vida havia melhorado muito. Perguntamos-lhe quanto estava recebendo pelo programa BF, e ela muito alegre nos disse: “Estou recebendo R$ 112 com esse pequeno aumento que teve”.
(...)
Do ponto de vista das mulheres entrevistadas, salta aos olhos seu desejo de garantir um futuro melhor a seus filhos. Pode-se dizer que é essa quase sua única esperança na vida: fazer deles pessoas menos destituídas de capacitações do que elas, enfim, equipá-los melhor para que busquem outro destino.
(Relato em Inhapi-Al, 2007)
Após a leitura desse relato, refletimos sobre a vida dessas mulheres e o que é o feminismo para nós e para elas. Mais uma vez, é preciso reconhecer a hierarquia de opressões. Mulher branca, mulher negra, mulher homossexual, mulher negra, mulher índia, mulher pobre. Somos muitas mulheres!


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