sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O privilégio da sororidade

Arte: Camila Araujo
            Na reunião do dia 18/9, a Frente Feminista Casperiana Lisandra debateu questões ligadas ao islamismo e feminismo, com mediação das alunas Juliana Causin e Bárbara Blum.  Com base no texto “Islamofobia não é feminismo” da Revista Pittacos, refletimos sobre a imposição de um feminismo branco e ocidental voltado para questões diferentes do que as mulheres islâmicas priorizam. Dentro desse assunto, discutimos o caso FEMEN, quando algumas ativistas do grupo protestaram parcialmente nuas, com turbantes de toalha e barbas falsas pela libertação das mulheres islâmicas.
            Lemos a carta escrita por tais mulheres em resposta às ações do FEMEN, listando um por um os motivos pelos quais acreditavam que o grupo ucraniano estava sendo racista e islamofobico em nome da “liberação feminina”. Com base nisso, discutimos as diferentes formas de fazer o feminismo, considerando que os lugares de predominância religiosa islâmica ou muçulmana vivem contextos diferentes. Novamente, recorremos ao material escrito para tentar compreender um relato de uma ativista na Palestina, local no qual as mulheres negam o uso de anticoncepcionais, pois ter filhos é criar uma resistência numérica contra Israel.
As mediadoras da reunião: Bárbara Blum e
Juliana Causin / Foto: Marina Braga
            Levamos em consideração a conjuntura presente e discutimos, também, qual é a relação do avanço do ISIS na região da Síria e do Iraque com as mulheres. O líder Abu Bakr al-Baghdadi prega a mutilação genital feminina como forma de purificação, algo usualmente restrito a algumas tribos da região norte da África. Os países com maior incidência da MGF são o Mali, o Sudão e a Somália, mas ocorre em menor quantidade em outros países, como Egito e Etiópia.
            É importante relembrar que não se pode falar em “cultura islâmica” por ser algo que abrange muitas regiões diferentes, povos distintos e práticas completamente opostas. A prática da mutilação genital feminina não está ligada ao islamismo, mas, sim, a outras culturas específicas, que podem (ou não) ter ligações com a religião.
            A mutilação genital, por ser um exemplo tão extremo de algo que está sendo relacionado ao islamismo por causa da expansão do ISIS, serviu para discutirmos a maior questão por trás dessa reunião: até que ponto podemos julgar alguma prática descontextualizada em nossa cultura utilizando o nosso feminismo branco e ocidentalizado como filtro? As opiniões divergem: algumas mulheres defenderam que temos, no Ocidente, práticas tão agressivas quanto a MGF normalizadas e que não podemos, portanto, julgar esse costume. Outras acreditam que, pelo tamanho da violência que é infligida às mulheres submetidas à mutilação, a prática deve ser problematizada.

            A reunião foi muito importante para refletirmos sobre a questão do “outro” no Feminismo. Como disse a militante franco-argelina Houria Boultedja, “Isso queria dizer: por que é que vocês, as mulheres brancas têm sozinhas o privilégio da solidariedade? Vocês também são espancadas, violadas, vocês também sofrem a violência masculina, vocês também são mal pagas, desprezadas, o vosso corpo também é instrumentalizado”. Apesar de sermos mulheres, temos de rever nosso privilégio, seja ele branco, seja ele o de viver numa cultura ocidental a todo momento, para que possamos compreender a luta de mulheres diferentes como iguais a nós. O privilégio da sororidade não cabe às mulheres brancas, mas a todas nós.

A luta das mulheres islâmicas vai muito além do feminismo. A islamofobia no mundo é grande e a cultura muçulmana é muito desrespeitada. / Foto: Marina Braga

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